quarta-feira, 8 de abril de 2009


A DIFERENÇA BÁSICA ENTRE OS HOMENS E OS OUTROS ANIMAIS1
JOSENILDO SILVA DE SOUZA2

Introdução

O presente texto tem como objetivo apresentar a tese de Marx e Engels a respeito da diferença básica entre os homens e os outros animais. Essa tese é uma reflexão desenvolvida pelos referidos autores no livro A Ideologia Alemã publicada pela primeira vez em 1844. Nela, os autores discutem a tese dos filósofos, anteriores a eles, de que o que diferencia os homens dos outros animais é a razão. Para Marx e Engels, o que diferencia os homens dos outros animais é a capacidade que os homens têm de produzir os meios necessário a sua própria sobrevivência. É essa tese que nos propomos apresentar de maneira resumida.

Os homens e a produção dos próprios meios de sobrevivência

No livro A Ideologia Alemã, Marx e Engels afirmam que o primeiro pressuposto de toda história humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro ato a constatar é, pois, a organização corporal destes indivíduos e, por meio disto, sua relação dada com o resto da natureza. Podemos distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo este que é condicionado por sua organização corporal.
Produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material.
O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que tem de reproduzir. Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção.

A produção de idéias, de representações, da consciência, está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material. Os homens são os produtores de suas idéias etc, mas os homens reais e ativos, tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde até chegar às suas formações mais amplas. A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real.

Não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco dos homens pensados, imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõem-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida.

Os homens ao desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio material, transformam, também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos do seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência.

O primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto de toda história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder fazer história. Mas para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje como a milhares de anos, deve ser cumprido todos dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos.

O segundo ponto é que, satisfeita esta primeira necessidade, a ação de satisfaze-la e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades – e esta produção de novas necessidades é o primeiro ato histórico.

A terceira condição é que os homens, que diariamente renovam sua própria vida, começam a criar outros homens, a procriar: é a relação entre homem e mulher, entre pais e filhos, a família. A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, como da alheia, na procriação, aparece agora como dupla relação: de um lado, como relação natural, de outro como relação social – social no sentido de que se entende por isso a cooperação de vários indivíduos, quaisquer que sejam as condições, o modo e a finalidade.

Desde o início mostra-se, portanto, uma conexão materialista dos homens entre si, condicionada pelas necessidades e pelo modo de produção, conexão esta que é tão antiga quanto os próprios homens – que toma incessantemente, novas formas e apresenta, portanto, uma história sem que exista quaisquer absurdo político ou religioso que também mantenha os homens unidos.

A linguagem é tão antiga quanto a consciência – a linguagem é a consciência real, prática, que existe para os outros homens e, portanto, existe também para mim mesmo; e a linguagem nasce, como a consciência, da carência, da necessidade de intercâmbio com outros homens.

A consciência, portanto, é desde o início um produto social, e continuará sendo enquanto existirem homens. A consciência é, naturalmente, antes de mais nada mera consciência do meio sensível mais próximo e consciência da conexão limitada com outras pessoas e coisas situadas fora do indivíduo que se torna consciente; é ao mesmo tempo consciência da natureza que, a princípio, aparece aos homens como um poder completamente estranho, onipresente, inexpugnável com o qual os homens se relacionam de maneira puramente animal e perante o qual se deixam impressionar como o gado; é, portanto, uma consciência puramente animal da natureza. O homem não se limita a imediaticidade das situações com que se depara, já que produz universalmente (para além de sua sobrevivência pessoal e de sua prole).

A atividade dos animais, em relação à natureza, é biologicamente determinada. A sobrevivência da espécie se dá com base em sua adaptação ao meio. Por mais sofisticada que possam ser as atividades dos animais, elas ocorrem com pequenas modificações na espécie, já que a transmissão da experiência é feita quase que exclusivamente pelo código genético.

Os instintos dos animais não vacilam diante das estimulações, dispondo de respostas prontas e acabadas a tudo aquilo que, vindo do meio ambiente ou do interior do organismo, os afeta gerando algum incômodo ou produzindo um estado de excitação. Os animais não são tomados por vacilações quando afetados por algum acontecimento do seu meio nem se consomem em dúvidas existenciais. O animal sabe comer quando tem fome, sabe se defender quando está em perigo, sabe procurar um parceiro para se acasalar; enfim, dispõe de um repertório de comportamentos, a maioria herdados, que o habilitam para a vida.

A ação humana, por sua vez, não é biologicamente determinada, mas se dá principalmente pela incorporação das experiências e conhecimentos produzidos e transmitidos de geração à geração. A transmissão dessas experiências e conhecimentos permite que a nova geração não volte ao ponto de partida da que a precedeu. A esse processo, Marx e Engels denominam de apropriação.
As características do gênero humano não são transmitidas pela herança genética, porque não se acumulam no organismo humano. As características do gênero humano foram criadas e desenvolvidas ao longo do processo histórico, através do processo de objetivação, gerado a partir da apropriação da natureza pelo homem. Cada indivíduo tem que se apropriar de um mínimo desses resultados da atividade social, exigido pela sua vida no contexto social do qual faz parte.
Quais os componentes da generacidade farão parte desse mínimo indispensável à própria sobrevivência do indivíduo, dependerá das circunstâncias concretas de sua vida, especialmente aquelas de seu meio social imediato.

A atuação do homem diferencia-se da do animal porque, ao alterar a natureza, por meio de sua ação, torna-a humanizada. Ao mesmo tempo, o homem altera a si próprio por intermédio dessa interação; ele vai se constituindo, vai se diferenciando cada vez mais das outras espécies animais.
É o processo de produção da existência humana. A alimentação reflete as mudanças ocorridas no homem. O homem cria novas necessidades. O homem não só cria instrumentos como também desenvolve idéias (conhecimentos, valores, crenças) e mecanismos para sua elaboração (desenvolvimento do raciocínio, planejamento). Por mais sofisticadas que possam parecer, as idéias são produtos de e exprimem as relações que o homem estabelece com a natureza na qual se insere. É nesse processo que o homem adquire a consciência de que está transformando a natureza para adaptá-la as suas necessidades. A esse processo Marx e Engels denominam de objetivação.

O processo de produção da existência humana é um processo social. O ser humano não vive isoladamente, ao contrário depende de outros para sobreviver. Há interdependência dos seres humanos em todas as formas da atividade humana. Quaisquer que sejam suas necessidades – da produção de bens à elaboração de conhecimentos, costumes, valores ... – elas são criadas, atendidas e transformadas a partir da organização e do estabelecimento de relações entre os homens.

Na base de todas as relações humanas, determinando e condicionando a vida, está o trabalho. A forma de organizar o trabalho determina a relação entre os homens, inclusive quanto a propriedade dos instrumentos e materiais utilizados e à apropriação do produto do trabalho.

As relações de trabalho – forma de dividi-lo e organizá-lo – ao lado do nível técnico dos instrumentos de trabalho, dos meios disponíveis para a produção de bens materiais, compõem a base econômica de uma dada sociedade.

As idéias, como os produtos da existência humana, sofrem as mesmas determinações históricas. As idéias são as expressões das relações e atividades reais dos homens, estabelecidas no processo de produção de sua existência. Elas são a representação daquilo que o homem faz, da sua maneira de viver, da forma com se relaciona com outros homens, do mundo que o circunda e das suas próprias necessidades. No entanto, aquilo que o homem faz, acredita, conhece e pensa sofre interferência também das idéias, representações anteriormente elaboradas.

Dentre as idéias que o homem produz, parte delas constitui o conhecimento referente ao mundo. O conhecimento humano, em suas diferentes formas (senso comum, científico, teológico, filosófico, estético, etc), exprime condições materiais de um dado momento histórico.

A linguagem enquanto um sistema simbólico surge para agilizar a comunicação entre os homens, substituindo e aperfeiçoando outros sistemas gestuais mais concretos. Os nomes que damos aos objetos, às experiências e às situações nos permitem ter sempre presente na consciência a sua representação, podendo assim, quando necessitarmos, passá-los aos nossos semelhantes sem a presença física desses objetos e situações. A linguagem, enquanto sistema de símbolos, permite ir além da realidade vivida, transpondo as coisas para um outro plano, constituindo um nível intermediário entre o dado imediato, singular e empírico e a idéia abstrata e universal, enquanto pura representação mental desse dado, pela consciência subjetiva.

O processo de formação do gênero humano na concepção de Marx e Engels se dá mediante o trabalho, atividade vital humana, pois a mera sobrevivência física dos indivíduos e sua reprodução biológica através do nascimento de seres humanos, assegura, apenas, a continuidade da espécie biológica, mas não assegura a reprodução do gênero humano, com suas características historicamente constituídas. É na criação de instrumentos e signos que os homens vão aprimorando suas relações com a natureza, com os outros homens e consigo mesmo.

O instrumento é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza. O instrumento é feito ou buscado especialmente para um certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É, pois, um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo.

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc) é análoga a invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento de atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho. Os instrumentos, porém, são elementos externos ao indivíduo, voltado para fora dele. Sua função é provocar mudanças nos objetos, controlar processos da natureza. Os signos, por sua vez, também chamados por Vygotsky de instrumentos psicológicos são orientados para o próprio sujeito, para dentro do indivíduo. Dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas. São ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e não nas ações concretas, como os instrumentos.

BIBLIOGRAFIA

MARX, K. & ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1990.

1Texto elaborado para a disciplina Estudos Orientados II: Educação, Trabalho e Afetividade
2Professor do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA

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